Direção: Joel Schumacher
Elenco: Colin Farrell, Matthew Davis, Clifton Collins Jr., Shea Whigham, Nick Searcy
País: EUA
Ano: 2000
Duração: 100 minutos
Língua: Inglês
Nota IMDb: 7,1
Cores: Colorido
Trailer
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Máquina de Fazer Soldados
Fort Polk, Louisiana, 1971. Os recrutas Roland Bozz (Colin Farrell) e Jim Paxton (Matthew Davis) vão para o treinamento nos últimos anos da Guerra do Vietnã (1959–1975), pelo menos para os EUA, que só participaram de 1965 a 1973. Os jovens* já estavam sendo treinados por veteranos** do Vietnã. A revolução sexual atingia seu ápice, e as drogas estavam em alta. A guerra não tinha mais apoio da opinião pública, especialmente por conta de fatos como o Massacre de My Lai***, mencionado por Paxton. Nesse contexto, o Exército era uma bolha de realidade diametralmente diferente do que ocorria ao seu redor. Bozz, que antes aparenta apenas não respeitar autoridades, mostra-se anti-Exército e tenta sabotar ideologicamente o sistema insubordinando-se a cada instante; enquanto Paxton é um voluntário que acredita no cumprimento do dever, embora concorde com o amigo quanto ao Exército não ser uma massa uniforme de homens e a guerra não ter sentido.
Tigerland tem intenções claras de expor falhas no discurso do Exército — como a idéia de que é “um só homem”, um corpo único e homogêneo — justamente mostrando os conflitos ideológicos que existem dentro dele. Schumacher, através das palavras e das atitudes de Bozz, tenta mostrar o Exército como uma grande mentira. Durante a trama, surgem situações em que os próprios superiores parecem reconhecer isso, o que pode ser observado sempre que Bozz se encontra a sós com eles: é como se ele forçasse a “verdade escondida” a vir à tona. Tigerland também tenta desmistificar a concepção de que o Exército transforma "meninos" em "homens", questionando os absurdos do treinamento. Há comentários na internet confirmando e negando os rigores, não se sabe se isso ocorreu de fato. No filme, os instrutores, com tom um tanto paternal, alegam que essa é a melhor forma possível de tentar preparar os jovens para o horror da guerra, enfocando o aspecto humano de todos os personagens. De relance, ainda surgem temas como o preconceito racial e o patriotismo.
No aspecto técnico, Tigerland tem uma cinematografia esmaecida, ligeiramente azul-esverdeada e obscura, com muitos closes. A trilha é discreta, mas toques dados por música soul ao bom estilo Motown aparecem aqui e ali. As atuações são muito boas, especialmente de Colin Farrell, no seu primeiro papel de destaque. Não espere combates, mas é um filme que, embora com tendências ideológicas evidentes, vale a pena por abordar a guerra no seu lugar de origem: o íntimo do ser humano.
* No Vietnã, a média de idade dos soldados era de 22 anos; na Segunda Guerra, era 26 anos. [Fonte: Combat Area Casualty File – CACF (1993), que serviu de base para o Memorial de Veteranos do Vietnã.]
** Isso pode ser percebido no dialeto da infantaria usado pelos superiores, são expressões como grunt (soldado), gook (vietnamita), VC ou Charlie (vietcongue), dust-off (resgate de ferido em helicóptero) e beaucoup (muito, reminiscência dos colonizadores franceses incorporada pelo vietnamês).
*** Massacre, por tropas americanas, de mulheres e crianças ocorrido na aldeia vietnamita de My Lai, em 16 de março de 1968, que foi divulgado internacionalmente, causando revolta na população dos EUA e apressando sua saída da guerra.
Um Lugar Chamado Inferno
No início dos anos 1970 a Guerra do Vietnã estava em um período em que os americanos enfrentavam várias derrotas e a opinião pública “caia em cima” do alto escalão do exército e criticava as ordens do governo norte-americano. Mas por que isso acontecia e por que o grande exército americano não conseguia por um ponto final nessa guerra, seria o treinamento dos soldados ou a soberba do alto comando?
Podemos dizer que não há como se treinar alguém para matar outra pessoa, mas era esse o tipo de treinamento utilizado durante a Guerra do Vietnã. O envolvimento psicológico naquele conflito passou a ser um fator decisivo para o desfecho das batalhas. Nos campos de treinamento norte-americanos, os soldados eram transformados em verdadeiras máquinas de matar, cujo único objetivo era: aniquilar o seu inimigo. Os “milicos” que não conseguiram se “enquadrar” nesse perfil, eram taxados de molengas ou, muitas vezes, de não-patriotas; contudo, essa guerra não era deles e não acontecia em seu país. Assim começam a surgir questionamentos comuns aos combatentes quando vão para as guerras. Alguns dizem ser a única opção que têm, porém a maioria se questiona exatamente no momento de seu treinamento tentando achar uma justificativa para explicar a sua presença diante daquilo tudo.
O filme Tigerland trata exatamente dessa preparação do soldado americano para a Guerra do Vietnã, explorando a vivência de um grupo de soldados, ele procura trazer à tona os questionamentos dos combatentes a respeito da sua presença em um campo de treinamento, conhecido como inferno, e a relação que os soldados têm uns com os outros — muitas vezes, de companheirismo; outras, de intensas disputas pela liderança do pelotão. Analisá-lo, historicamente, requer conhecimentos apurados sobre campos de treinamentos, contudo pode-se dizer que ele exemplifica da forma mais dura a preparação dos soldados para irem ao verdadeiro inferno.
Tigerland tem intenções claras de expor falhas no discurso do Exército — como a idéia de que é “um só homem”, um corpo único e homogêneo — justamente mostrando os conflitos ideológicos que existem dentro dele. Schumacher, através das palavras e das atitudes de Bozz, tenta mostrar o Exército como uma grande mentira. Durante a trama, surgem situações em que os próprios superiores parecem reconhecer isso, o que pode ser observado sempre que Bozz se encontra a sós com eles: é como se ele forçasse a “verdade escondida” a vir à tona. Tigerland também tenta desmistificar a concepção de que o Exército transforma "meninos" em "homens", questionando os absurdos do treinamento. Há comentários na internet confirmando e negando os rigores, não se sabe se isso ocorreu de fato. No filme, os instrutores, com tom um tanto paternal, alegam que essa é a melhor forma possível de tentar preparar os jovens para o horror da guerra, enfocando o aspecto humano de todos os personagens. De relance, ainda surgem temas como o preconceito racial e o patriotismo.
No aspecto técnico, Tigerland tem uma cinematografia esmaecida, ligeiramente azul-esverdeada e obscura, com muitos closes. A trilha é discreta, mas toques dados por música soul ao bom estilo Motown aparecem aqui e ali. As atuações são muito boas, especialmente de Colin Farrell, no seu primeiro papel de destaque. Não espere combates, mas é um filme que, embora com tendências ideológicas evidentes, vale a pena por abordar a guerra no seu lugar de origem: o íntimo do ser humano.
Heber Costa
* No Vietnã, a média de idade dos soldados era de 22 anos; na Segunda Guerra, era 26 anos. [Fonte: Combat Area Casualty File – CACF (1993), que serviu de base para o Memorial de Veteranos do Vietnã.]
** Isso pode ser percebido no dialeto da infantaria usado pelos superiores, são expressões como grunt (soldado), gook (vietnamita), VC ou Charlie (vietcongue), dust-off (resgate de ferido em helicóptero) e beaucoup (muito, reminiscência dos colonizadores franceses incorporada pelo vietnamês).
*** Massacre, por tropas americanas, de mulheres e crianças ocorrido na aldeia vietnamita de My Lai, em 16 de março de 1968, que foi divulgado internacionalmente, causando revolta na população dos EUA e apressando sua saída da guerra.
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Um Lugar Chamado Inferno
No início dos anos 1970 a Guerra do Vietnã estava em um período em que os americanos enfrentavam várias derrotas e a opinião pública “caia em cima” do alto escalão do exército e criticava as ordens do governo norte-americano. Mas por que isso acontecia e por que o grande exército americano não conseguia por um ponto final nessa guerra, seria o treinamento dos soldados ou a soberba do alto comando?
Podemos dizer que não há como se treinar alguém para matar outra pessoa, mas era esse o tipo de treinamento utilizado durante a Guerra do Vietnã. O envolvimento psicológico naquele conflito passou a ser um fator decisivo para o desfecho das batalhas. Nos campos de treinamento norte-americanos, os soldados eram transformados em verdadeiras máquinas de matar, cujo único objetivo era: aniquilar o seu inimigo. Os “milicos” que não conseguiram se “enquadrar” nesse perfil, eram taxados de molengas ou, muitas vezes, de não-patriotas; contudo, essa guerra não era deles e não acontecia em seu país. Assim começam a surgir questionamentos comuns aos combatentes quando vão para as guerras. Alguns dizem ser a única opção que têm, porém a maioria se questiona exatamente no momento de seu treinamento tentando achar uma justificativa para explicar a sua presença diante daquilo tudo.
O filme Tigerland trata exatamente dessa preparação do soldado americano para a Guerra do Vietnã, explorando a vivência de um grupo de soldados, ele procura trazer à tona os questionamentos dos combatentes a respeito da sua presença em um campo de treinamento, conhecido como inferno, e a relação que os soldados têm uns com os outros — muitas vezes, de companheirismo; outras, de intensas disputas pela liderança do pelotão. Analisá-lo, historicamente, requer conhecimentos apurados sobre campos de treinamentos, contudo pode-se dizer que ele exemplifica da forma mais dura a preparação dos soldados para irem ao verdadeiro inferno.
Adriano Almeida