25 de dez. de 2008

Feliz Natal

Título original: Joyeux Noël
Direção: Christian Carion
Elenco: Diane Kruger, Benno Fürmann, Daniel Bruhl, Guillaume Canet, Alex Ferns
País: Alemanha, Bélgica, França, Grã Bretanha e Romênia
Ano: 2005
Duração: 116 minutos
Língua: Inglês, francês, alemão e latim
Nota IMDb: 7,8
Cores: Colorido
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Para Acabar com Todas as Guerras

Baseado em fatos reais (na verdade, várias histórias reais combinadas), Feliz Natal é um filme sobre relatos de confraternizações ocorridas no front europeu no Natal de 1914, ou seja, logo no início da Primeira Guerra Mundial, entre combatentes dos países aliados (franceses, ingleses, escoceses, etc.) e os alemães.

De início, vale fazer um comentário a respeito do fato histórico em si: tais confraternizações só teriam sido possíveis graças a um fundo cultural em comum entre os soldados. Nominalmente, poderia ser citado logo o aspecto religioso ocidental, no caso, cristão. Embora se saiba que àquela altura muitos franceses, escoceses e alemães tivessem uma orientação protestante, não é de todo absurdo que, em meio à guerra, soldados pudessem se reunir em torno de dos valores do cristianismo lato sensu, representando no filme pela figura do padre católico Palmer (Gary Lewis), cuja visão do espírito cristão ultrapassa as fronteiras das vertentes religiosas.

Um segundo aspecto cultural compartilhado é o latim, que nos primeiros séculos depois de Cristo foi a língua franca da Europa e, na Idade Média, a língua em que muitos tratados artísticos, científicos e religiosos eram escritos. Esse ancestralismo simbólico fica claramente representado na missa cristã. As várias línguas, aliás, estão todas presentes.

Outro aspecto comum, o terceiro, é o estilo de vida privada partilhado pelos soldados europeus, a grande maioria jovens, casados e de profissões comuns, como padeiro, carpinteiro, barbeiro. Aí ganha relevância o cantor lírico Nikolaus Sprink (Benno Fürmann), que, tendo partilhado o sofrido cotidiano de seus companheiros de armas, decide ir ao front a fim de cantar para eles e traz junto a linda Anna Sörensen (Diane Krüger). As músicas, sem dúvida, roubam a cena. Isso graças a Rolando Villazón e Natalie Dessay, os verdadeiros donos das vozes, que, aliadas à boa dublagem, tornam essas cenas impactantes.

O trio de oficiais — o alemão Horstmayer (o ótimo ator Daniel Bruhl, de Edukators e Adeus, Lenin!), o escocês Gordon (Alex Ferns) e o francês Audebert (Guillaume Canet) — está excepcional em termos de atuação. Sem falar na produção, que é muito esmerada: efeitos especiais, fotografia, cenários, figurino… tudo o mais próximo possível da realidade. Não é à toa que Feliz Natal foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ao Globo de Ouro.

Enfim, um filme inspirador sobre “a guerra para terminar todas as guerras”, aquela em que “as pás foram mais usadas do que os rifles”. Um filme de guerra para que nunca mais haja outra.



Heber Costa


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Heroísmo Desarmado

O dia 24 de dezembro de 1914 seria mais um dia cinza de bombardeios e constantes avanços sem sucesso das infantarias se não fosse por uma data tão sublime para todos, era o Natal. Com ele, veio mais uma das fortes mudanças psicológicas que os soldados passaram durante a Primeira Guerra.

Um turbilhão de emoções que vai desde a euforia de poder participar de uma guerra — e quem sabe retornar com um verdadeiro herói —, passando pela incerteza de quem não sabe se irá voltar para casa e encontrar seus entes queridos, a revolta por estar lutando em uma guerra que não acaba nunca e sem ter a mínima condição de viver no front e inúmeros outros sentimentos que se pode passar muito tempo enumerando.

Contudo destacam-se dois em especial: a compaixão e o companheirismo. Não só entre soldados que estavam no mesmo lado, mas entre os homens que ainda acreditavam, no fundo de sua alma, que era possível haver espaço para a celebração de algo acima deles e daquela “guerra tola”.

Tal evento se repetiu em vários pontos do front, demonstrando algo até então não verificado pelos generais em seus gabinetes luxuosos e longe do barulho das explosões, que os homens, soldados, não estavam prontos, psicologicamente, para uma guerra.

Eles foram heróis, mas por não dispararem nenhuma bala.


Adriano Almeida



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15 de dez. de 2008

Os Gritos do Silêncio


Título original: The Killing Fields
Direção: Roland Joffé
Elenco: Sam Waterson, Haing S. Ngor, John Malkovitch
País: Grã Bretanha
Ano: 1984
Duração: 141 minutos
Língua: Inglês, francês e khmer
Nota IMDb: 8,0
Cores: Colorido
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Os Campos da Morte

Grande sucesso nos anos oitenta — tanto por conta dos horrores mostrados como por ter a famosíssima Imagine, de John Lennon (morto em 1980), na sua trilha —, Os Gritos do Silêncio foi mais um da frutífera safra (iniciada com O Franco-atirador, em 1978, e terminada com Pecados de Guerra, em 1989) que aborda a atuação controversa dos EUA no Sudeste Asiático.

É o auge da Guerra Fria e o fim da Guerra do Vietnã, já na Era Nixon (que, a essa altura, estava atolado até o pescoço no Watergate). O repórter cambojano Dith Pran trabalha como intérprete para Sydney Schanberg, do New York Times, que tinha a missão de investigar as incursões americanas no Camboja. Paralelamente, esse país asiático vivia uma guerra pelo poder entre os governantes e o Khmer Vermelho, que vence a luta, já nos idos de 1975, e estabelece campos de reeducação — verdadeiros “campos da morte”, fato que inspirou o título original. É nesse contexto (entre três conflitos: o do Vietnã, a guerra civil no Camboja e um conflito entre os dois) que se passa a odisséia real de Schanberg (Sam Waterson) pela verdade e de Pran (Haing S. Ngor) pela sua própria vida.

Aqui, o cunho político é tão forte quanto o biográfico. Não são poucas as referências ao fornecimento de armas por parte dos EUA e da URSS, inclusive com cenas irônicas como a das tropas do governo, equipadas pelos americanos, festejando a entrada de soldados do Khmer em cima de
APCs na capital, Phnom Penh. É curioso também observar Schanberg, um típico americano, educado nos valores da liberdade, deparando-se com a censura e a repressão sem limites dos rebeldes, sem falar no alistamento de crianças e nas táticas terroristas de guerrilha, consideradas uma violação dos códigos de guerra do ponto de vista da cultura ocidental.

A despeito do sucesso, há uma crítica: o filme é um tanto confuso quando se trata do conflito como um todo. Algumas transmissões de rádio perdidas iluminam um pouco o caminho do espectador, mas no geral, é difícil entender o contexto político. Não há grandes destaques na parte técnica, mas destacam-se a trilha sonora (ainda que experimental demais às vezes) e os efeitos nas cenas de combate, ferimentos e destruição. A atuação de
Haing S. Ngor lhe rendeu um Oscar, o segundo para um ator não-profissional, algo que não acontecia desde 1946.

A vida de Ngor, aliás, é um caso à parte. Ele era um obstetra e oficial médico do exército cambojano que acabou
prisioneiro do Khmer Vermelho, foi torturado e perdeu a esposa grávida naqueles campos. Refugiou-se nos EUA e, em 1984, atuou em Os Gritos do Silêncio. Seu fim foi trágico: em 1996, foi assassinado na porta de sua garagem. A princípio, suspeitou-se do Khmer; depois, as investigações mostraram que foi um mero latrocínio.

O filme é quase unanimidade. Definitivamente, um ótimo retrato de um conflito que ainda tem muito a oferecer para aqueles que querem compreender a alma humana.





Heber Costa

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Influências Silenciosas

O Camboja foi por muito tempo colônia francesa. Isso influenciou o sistema de governo do país que levaria a uma guerra civil sem precedentes na história dessa nação. Essa guerra é bem retratada no filme Os Gritos do Silêncio, que apesar de tratar um caso particular de luta pela sobrevivência — a do jornalista cambojano Dith Pran ­— tem como pano de fundo os diversos acontecimentos que marcaram a vida da população cambojana.

A região da Indochina após a Segunda Guerra Mundial virou um lugar de instabilidade constante. Por estar muito próxima a países socialistas e por ter sido protetorado francês, a Indochina acabou ganhando uma extrema importância no campo da disputa política durante os anos da Guerra Fria. A esfera de influência dos países capitalistas e socialistas se expandia de forma rápida na Ásia Insular com a ascensão e desenvolvimento acelerado do Japão e a Revolução Cultural na China, fazendo com que os países próximos a eles entrassem — mesmo que sem querer — no meio de uma guerra trágica, cruel e “silenciosa”. Exemplos não faltam, porém os melhores são sem dúvida alguma o Vietnã e o Camboja. Com relação ao primeiro não há o que a acrescentar aqui, as imagens e relatos da guerra falam por si sós; contudo, o segundo mostra que a influência dos países capitalistas e socialistas foi mais nos “bastidores” do que no próprio “palco de guerra”.

Governantes severos e repressores mergulharam o Camboja em uma situação de instabilidade política depois da independência do país, que se aproximaria do mundo capitalista. Porém, sua proximidade a países socialistas — China e Rússia — e a fracassada investida norte-americana no Vietnã levaram os opositores do governo a organizarem uma resistência — Khmer vermelho. Inicialmente, o KV teria o apoio da população, porém com a sua chegada ao poder e a política de educação — por sinal bem retratada no filme — adotada levaram a população a um estado de miséria profunda, e o país quase acabou todas as suas indústrias, lembrando muito a época feudal daquela região. Seguidos golpes e alternância no governo só fizeram agravar a crise no país até os anos 1990, quando, com o enfraquecimento do bloco socialista e a assinatura de um acordo, se conseguiu certa estabilidade política — agora sem a interferência silenciosa da Guerra Fria, que levou à reorganização do país que foi massacrado por uma guerra de interesses que não eram dele.

Um dos pontos altos do filme Os Gritos do Silêncio é retratar o tratamento diferenciado dado pelo Khmer Vermelho aos estrangeiros — principalmente os franceses — durante a guerra civil, totalmente diferente do que era dado à população cambojana.
Adriano Almeida
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5 de dez. de 2008

Hotel Ruanda

Título original: Hotel Rwanda
Direção: Terry George
Elenco: Don Cheadle, Joaquim Phoenix, Nick Nolte
País: Grã Bretanha / Itália / EUA / África do Sul
Ano: 2004
Duração: 121 minutos
Língua: Inglês e francês
Nota IMDb: 8,4
Cores: Colorido
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As Ruínas de Ruanda

Vários aspectos fazem de Hotel Ruanda um filme de que vale a pena tratar, mas vou citar apenas três: (1) nunca é demais expor os horrores da guerra, especialmente a guerra civil; (2) é um dos mais recentes conflitos transformados em filme; (3) é uma crítica à postura mundial quanto aos conflitos internos das nações, especialmente na África.

A história real de um pai, Paul Rusesabagina (Don Cheadle), que luta para proteger sua família é a premissa desse longa que mostra todas as etapas de uma turbulência até se transformar numa guerra civil. As guerras civis geralmente são muito violentas e não respeitam convenções internacionais sobre conflitos armados. Elas envolvem, muitas vezes, questões políticas, sociais e ódio racial, como foi o caso da disputa entre hutus e tutsis naquele país do sudeste da África.

Paul trabalha um hotel que é uma espécie de oásis em meio a um deserto de miséria e ódio: nada penetra aquelas paredes. Tentando manter-se alheio a tudo, Paul imerge num mundo que não é o seu (o do turismo, do comércio, do luxo), mas acaba sendo chamado à realidade quando explode a disputa civil pelo poder e as milícias passam a trucidar indivíduos da etnia oposta. Quando o território do hotel é violado, é o simbolismo de que nada ficará intocado. Nem a propriedade dos brancos estrangeiros.

O papel das forças de paz da ONU (como visto em Falcão Negro em Perigo) é limitado por uma série de convenções e burocracias que frustram as ações dos militares envolvidos: mesmo diante de fatos gritantes, as forças dependem de inúmeras formalidades e normas para agir. Em poucas palavras, o que parece haver é uma falta de vontade política pelo pouco interesse que Ruanda representa nas esferas internacionais.

Há também uma discussão interessante sobre como a cobertura da mídia plastifica esses acontecimentos, tornando-os digeríveis por mais cruas que sejam as imagens mostradas. E isso também é criticado no filme de Terry George. Nos aspectos visuais, o filme não apresenta nada de inovador, com um estilo quase documental em certos momentos. O destaque fica para a força da história e as brilhantes atuações.

Genocídio, sobrevivência, amor fraterno, política e mídia estão entre os temas abordados por esse filme que é, sem dúvida, uma sacudida na cabeça daqueles que vivem realidades completamente diferentes dos conflitos etnopolíticos da África.


Heber Costa


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Um por todos...

Após o término do domínio europeu na África os países recém-independentes caíram numa profunda instabilidade política, levando — em sua maioria — a guerras étnicas que, por sua vez, causaram a verdadeiros massacres por parte dos grupos dominantes. O melhor exemplo disso foi o genocídio ocorrido em Ruanda, onde milhares de tutsis foram mortos pelos hutus.

Desde a ocupação do país pela Bélgica, o grupo que teve privilégios políticos e econômicos foram os tutsis, que, por serem de etnia diferente dos hutus, praticaram uma severa repressão, muitas vezes violenta. Com a saída dos belgas, foi organizado um governo de transição para administrar o país, porém essa atitude não teve muito sucesso. Uma vez no poder a repressão só mudou de lado e dessa vez foi mais severa ainda. Em meio a todas as atrocidades, aparece um personagem que faria a diferença em toda a história de um dos países mais pobres do mundo — Paul Rusesabagina, que chegou até a ser comparado a Schindler.

A história que ocorre em Ruanda chega a ser parecida a de muitos outros países africanos, um continente cujas nações foram organizadas segundo os interesses dos países europeus, e não divididas conforme a etnias dos povos que ali habitavam. Um dos momentos mais interessantes na guerra civil de Ruanda foi a reação do resto do mundo ao que estava acontecendo ali: não foi dada a devida atenção à situação e as nações unidas só intervieram de forma superficial na matança que estava acontecendo, diferentemente situações de interferências ocorridas em outros países onde o "primeiro mundo" tinha interesses.

De forma geral, o filme Hotel Ruanda traz como uma critica severa à atitude dos países do bloco desenvolvido, que muitas vezes fecham os olhos para os problemas dos países mais pobres, e historicamente funciona como um relado do genocídio ocorrido, demonstrando como foi que se organizaram as milícias e a resistência em meio à miséria extrema daquele país.


Adriano Almeida
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Manifesto Antiguerra

Aproveitando o mês de dezembro, decidimos colocar no ar três filmes que sejam exemplos de triunfo do espírito humano em meio ao caos da guerra, verdadeiros manifestos antiguerra. Assim, seja em meio a guerras civis, seja num conflito mundial, o homem sempre descobre uma forma superar as dificuldades. Boa leitura e bom fim de ano a todos!
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25 de nov. de 2008

Falcão Negro em Perigo


Título original: Black Hawk Down
Direção: Ridley Scott
Elenco: Josh Harnett, Ewan McGregor, Orlando Bloom, Eric Bana
País: EUA
Ano: 2001
Duração: 144 minutos
Língua: Inglês e somali
Nota IMDb: 7,6
Cores: Colorido
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Perdidos numa Guerra Civil

Em 1993, mesmo recém-saídos da Guerra do Golfo, os EUA tinham missões em vários países, entre eles Iugoslávia, Kenya, Haiti e Somália, onde colaboravam com uma força da ONU. Esta última é o teatro de operações do filme Falcão Negro em Perigo, inspirado no livro de Mark Bowden.

A missão mostrada no filme foi uma ação conjunta das forças americanas na capital Mogadíscio (basicamente de Deltas e Rangers, tropas da elite do exército) para capturar indivíduos-chave do grupo político de M. Aidid, um dos pivôs do conflito armado. A operação se complica quando um dos helicópteros Black Hawk é atingido por milícias e cai no meio da cidade. O plano inicial, que previa 30 minutos de ação, precisa ser alterado para resgatar os sobreviventes da queda. Com isso, as tropas americanas perdem o elemento-surpresa, e os soldados das milícias caem em cima. O resultado é um combate que segue até a manhã do outro dia e um saldo de vinte soldados americanos e mais de mil somalianos mortos.

Percebe-se, pelos equipamentos e funções (espionagem, invasão de prédios, etc.), que os Deltas agem mais como uma espécie de esquadrão tático (como a SWAT), enquanto os Rangers atuam com mais poder de fogo e força. É interessante observar a estratégia de guerra urbana e o moderno armamento. Os diálogos focam no jargão militar e em termos técnicos estratégicos, afora alguns momentos de diálogos constrangedores e discussões políticas não aprofundadas.

Em comparação com o livro, histórias de várias pessoas foram concentradas num só personagem fictício, como Grimes (Ewan McGregor). Sobre a história real dessa operação, vale a pena assistir o documentário homônimo do History Channel. Nele, é possível perceber que o fim de alguns americanos foi bem pior do que mostrado no filme: alguns foram despidos e arrastados, imagens que chocaram os norte-americanos. A verdade é que ninguém sabia bem o que os EUA estavam fazendo na Somália.

Tecnicamente, no entanto, Ridley Scott faz de Falcão Negro em Perigo um dos melhores filmes de guerra já produzidos. O uso de lentes especiais em várias tonalidades de cor, de filtros granulados e de tomadas inovadoras torna o filme interessantíssimo no aspecto visual, ficando um ponto negativo apenas para as gritantes falhas de continuidade na luz natural. A trilha oscila entre música do Oriente Médio e rock. Os efeitos são primorosos, e elenco está recheado de atores conhecidos e coadjuvantes de luxo. Um filme acima da média.



Heber Costa



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Intervir ou não intervir?


Uma das ações mais comuns na atualidade são as intervenções militares. Podemos falar que é uma nova forma de denominar as guerras, sendo os motivos que levam a tais ações os mais variados possíveis — vão desde as “em busca da ordem e da paz” até as “cruzadas contra o terror”. Nos anos 1990, tal ato era corriqueiro, uma prática aplicada pelos países europeus e os Estados Unidos às nações, principalmente, africanas, que estavam mergulhadas em guerras civis. Um das mais marcantes foi a intervenção na Somália entre 1992 e 1995.

A Somália é um país situado, estrategicamente, no nordeste do continente africano, geograficamente serve de ligação entre África e Ásia. Após passar por um duelo com a Etiópia e sair derrotada, a Somália entra em um período de profunda agitação social que levaria a uma guerra civil. Com uma política opositora e o pouco apoio que recebia da população, o governante somali se vê obrigado a deixar o poder em 1992, deixando o caminho aberto para as milícias disputarem a bombas e balas o controle do país. Nesse momento, a Organização das Nações Unidas (ONU) decide que seria necessária uma intervenção militar para garantir o bem-estar e a segurança da população somali e dos países vizinhos. Liderada pelos norte-americanos, a força de paz da ONU acaba não sendo bem recebida por uma boa parte da população, principalmente pelos lideres das milícias que acreditavam que aquela guerra não era dos dos brancos e que o único modo de estabelecer uma ordem era através da opressão dos outros grupos inimigos. Mogadíscio — capital da Somália — vira um verdadeiro barril de pólvora, uma zona hostil para qualquer um que não fizesse parte do grupo de que domina aquela região, e o malogro era só uma questão de tempo. O fracasso foi reconhecido em 1995 quando foram retiradas todas as tropas de paz da ONU que se encontravam no país.

Falcão Negro em Perigo é um bom filme que retrata a hostilidade por parte da maioria da população de Mogadíscio para com as forças de paz da ONU. Poderia ser apenas mais um filme de bombas e tiros, porém a forma como ele aborda a questão social e a relação de animosidade entre estrangeiros e nativos faz com que se tenha uma reflexão sobre a importância e forma como se fazem as chamadas intervenções militares na atualidade. Exemplos de insucesso é que não faltam em nossa história.




Adriano Almeida


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15 de nov. de 2008

Hamburger Hill


Título original: Hamburger Hill
Direção: John Irvin
Elenco: Dylan McDermott, Steven Weber, Courtney B. Vance, Don Cheadle
País: EUA
Ano: 1987
Duração: 110 minutos
Língua: Inglês e francês
Nota IMDb: 6,5
Cores: Colorido
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Lama e Sangue na Colina 937

Na metade dos anos 1980, os EUA começavam a exorcizar o fantasma do Vietnã. É aí que surge Hamburger Hill, um filme bom que acabou ofuscado[1] por contemporâneos que se tornaram clássicos do gênero e referência sobre a época, como Platoon (1986), Nascido Para Matar (1987), Pecados de Guerra (1989) e Nascido em 4 de Julho (1989).

Filmado nas Filipinas, país de relevo e vegetação muito semelhantes ao Vietnã, o filme se passa em 1969, na campanha do Vale Ashau (a oeste de
Hué próximo à fronteira com o Laos), durante os onze dias da operação Apache Snow — o ataque à Colina 937, ou “Hamburger Hill” (no sentido de carne moída). Nixon acabara de assumir a presidência. A essa altura, mais de 30 mil americanos já haviam morrido, a guerra já parecia absurda e o movimento pela paz e a luta contra a discriminação racial se intensificavam.

Tais divergências de opinião estão presentes no esquadrão[2] do Sgt. Frantz (Dylan McDermott), cujo único propósito é preservar a vida de seus soldados e sobreviver. Aqui, elementos típicos do conflito são retomados: treinamento, dialeto dos GIs, músicas de época, antipatia para com novos recrutas. Também se pode ver muito da tática empregada na época: pelotões[2] (munidos de
M16s, M60s e M79s) avançam com apoio de bombardeios. Os combates retratados são ferozes, fazendo deste filme um dos mais violentos sobre o Vietnã.

Entre as investidas contra o morro, a espera. Aí surgem as questões raciais, a guerra psicológica (propaganda inimiga) e debates sobre o rumo e o sentido da guerra, assim como o problema da reintegração do soldado ao “mundo real”. No decorrer do filme, as diferenças ficam mais explícitas e, ao mesmo tempo, são minimizadas diante da isonomia com que a guerra atinge a todos os soldados — brancos, negros ou asiáticos[3]. Nesse ponto, Hamburger Hill fraqueja. Idéias interessantes se perdem em diálogos truncados e até desconexos, prejudicando o aprofundamento das discussões.

Ainda vale destacar o papel dos oficiais: aqui, não há comandantes turrões, que trovejam ordens a torto e a direito. Na figura do Ten. Eden, o oficial é retratado como alguém que tem conhecimento teórico e voz de comando, mas pouca experiência de combate. Não se percebe qualquer animosidade entre superior imediato e comandados.

Enfim, com boas cenas e combates — apesar de a fotografia oscilar entre a inovação e o convencional (às vezes, parece filme para TV) —, Hamburger Hill retrata com crueza o que foi aquela operação contra o Exército Norte-Vietnamita (ENV)[4]. E o mais importante: mostra quão suja, sangrenta e trágica foi a tomada do Monte 937.



Heber Costa



[1] Do elenco, ao menos um ator ganhou projeção: Don Cheadle (Hotel Ruanda, 2004), que entrou para a trupe de George Clooney em Onze Homens e um Segredo.
[2] Na infantaria (EUA), um esquadrão tem de sete a nove homens e é comandando por um sargento. Um pelotão tem trinta homens, sendo liderado por um tenente.
[3] O roteiro comete uma injustiça: ao lado dos americanos, combateu um batalhão de sul-vietnamitas da 1ª Divisão, que sequer foi mencionado no filme.
[4] Vale fazer uma distinção: nesse caso, era o exército regular (EVN), e não os vietcongs, braço guerrilheiro que atuava mais no sul, especialmente no delta do Mekong. Nesses onze dias, foram 544 mortos do EVN contra 50 americanos.



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Apenas Mais um “Monte”

As lembranças que ficam da guerra sempre são as das montanhas de mortos. Não há como se evitar as baixas e, por incrível que pareça — tratando-se em números percentuais —, as mais numerosas ocorrem nas operações de assalto: mesmo com toda a sua eficácia, tais situações levam a grandes contingentes mortes tanto de militares quanto de civis. Uma das guerras onde se pode verificar a grandeza desses números é a Guerra do Vietnã, na qual morreram cerca de 2 milhões de vietnamitas e 50 mil norte-americanos. Observa-se a disparidade entre esses números: as baixas vietnamitas foram enormes em relação às americanas. Um das batalhas que melhor exemplifica essa situação foi a tomada da Colina 937 — conhecido entre os soldados como Hamburger Hill — no Vale Ashau.

O Vale Ashau era utilizado como principal ponto de chegada de suprimentos no Vietnã, a tomada desse monte era vital para quebrar o abastecimento das tropas inimigas. A ofensiva durou 11 dias, e o mais impressionante dessa operação foi o número de cadáveres e a situação do terreno ao final do combate. Lutando de forma quase desigual, os nativos conseguiram igualar as coisas, pois estavam numa melhor posição e com bases fixas a espera do inimigo. Os americanos utilizaram a tática habitual em uma situação como essa no Vietnã — os constantes bombardeios da artilharia e os ataques aéreos com o napalm fazendo o monte "brilhar". Sem dúvida, foi uma das mais sangrentas batalhas do ano de 1969, e as suas conseqüências não ficaram apenas na dominação das rotas de abastecimento da região. Foram além dali, repercutiram de forma dura na imagem que a guerra tinha nos Estados Unidos — nesse período a opinião publica já vinha questionando a necessidade da participação na guerra. O número de mortos e feridos levou o governo norte-americano rever a sua política ao combate no Vietnã.

O filme Hamburger Hill, que relata a história sobre a tomada do Monte 937, não podemos identificar grandes momentos históricos, a conseqüência desse evento foi mais político, contudo ele serve com um bom entretenimento para os que gostam da primeira guerra perdida pelo Estados Unidos da América.




Adriano Almeida

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5 de nov. de 2008

O Grande Ataque

Título original: The Great Raid
Direção: John Dahl
Elenco: Benjamin Bratt, James Franco, Joseph Fiennes, Connie Nielsen
País: EUA e Austrália
Ano: 2005
Duração: 132 minutos
Língua: Inglês, filipino e japonês
Nota IMDb: 6,8
Cores: Preto-e-branco/colorido
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Prisioneiros de Guerra e a Luta pelas Filipinas

A pouco falada campanha nas Filipinas, iniciada logo depois do ataque a Pearl Harbor, é o contexto deste O Grande Ataque. Passado em 1945, o filme retrata uma missão verídica de uma tropa de Rangers no resgate a prisioneiros remanescentes da rendição de cerca de 70 mil filipinos e americanos, ocorrida em Bataan (abril/1942), utilizando com base em dois livros: The Great Raid on Cabanatuan, de William B. Breuer, e Ghost Soldiers, de Hampton Sides. O resgate torna-se uma corrida contra o tempo, já que os japoneses tinham começado a executar prisioneiros por conta do avanço do 6º Exército Americano sobre as Filipinas.

Embora pouco inovador, o longa traz alguns aspectos interessantes. Primeiro, a cooperação filipino-americana nos anos 1940. Isso pode logo ser percebido nos armamentos que carregam: são fuzis, bazucas e metralhadoras americanas (Thompsons e Brownings M1919) misturadas a armas mais antigas (em uma cena, é possível ver uma Vickers, da Primeira Guerra). Vale notar que os filipinos, bem representados pelo Capitão Pajota, não são meros paus-mandados, intervindo com observações ao plano de resgate, especialmente no que toca ao conhecimento do terreno — fator de fundamental importância em qualquer estratégia militar.

Esse, aliás, é o segundo ponto de destaque. No decorrer do filme, é explicitada a estratégia global do resgate, bem como seus ajustes, mas também se pode observar várias vezes as táticas de nível mais elementar, como a de usar fogo de supressão e depois flanquear o inimigo, consagrada na Segunda Guerra. Um terceiro fator interessante são as cenas reais utilizadas no começo e no fim de O Grande Ataque. Remasterizadas, essas imagens contextualizam e retratam os dois principais fatos: a derrota em Bataan e o resgate em
Cabanatuan, envelopando bem esse recorte histórico.

No aspecto técnico, o filme é razoável. Embora haja um romance paralelo, muitas cenas de campo de concentração (nada de novo) e pinceladas da ação da resistência filipina, a trama se sustenta só mesmo pela missão. Em vista desse foco, Os personagens, com raras exceções, não são bem desenvolvidos, o que gera atuações na média, nada que cause embaraço. Há ótimas cenas de ação — realistas e com pirotecnia na dose certa. O longa ganha pontos a mais também pelo uso dos idiomas originais (filipino, japonês e inglês). Apesar de um pouco romantizado, O Grande Ataque é uma boa oportunidade de se conhecer uma operação bem planejada, ver boas cenas de combate e ter uma visão da Segunda Guerra por um outro foco.


Heber Costa



Curiosidade: o Gen. Krueger é interpretado por Dale Dye, fuzileiro veterano do Vietnã, hoje consultor militar e ator de vários filmes de Hollywood, entre eles Band of Brothers, O Resgate do Soldado Ryan, Platoon, Pecados de Guerra e Nascido em 4 de Julho.



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Taticamente Perfeitos


Entre todas as batalhas durante uma guerra as mais incríveis são sem duvida as chamadas operações especiais, não por se tratar de situações específicas dentro dos combates, mas pelo desprendimento de conhecimento tático e empenho dos personagens envolvidos em tais eventos. Historicamente, os desenlaces das operações especiais mudaram o rumo das batalhas, se não das próprias guerras. Não falo apenas pela mais famosa delas — o Dia D —, mas, sim, pelas inúmeras outras que existiram e deram outro encaminhamento para o desfecho da Guerra. O filme O Grande Ataque utiliza a ocupação das Filipinas pelo exercito japonês, a resistência dos civis e o resgate de um grupo de soldados do campo de Cabanatuan de um campo de prisioneiros para relatar os fatos ocorridos no ano de 1945.


Estrategicamente situada na rota que as tropas nipônicas utilizavam para seguir em direção ao oeste da Ásia, essa região era ponto estratégico para o futuro da guerra no Pacífico. Sendo invadidas pelo exercito japonês em 1941, as Filipinas eram ocupadas desde 1937 pelo exército americano, que não conseguiu resistir aos ataques investidos contra as suas principais bases. Apesar da resistência montada pelos ianques e os insurgentes filipinos, os japoneses conseguiram conquistar quase todo o país. Isso se deve ao fato de as ilhas estarem a uma longa distância dos quartéis-generais dos Estados Unidos e à saída do General MacArthur da península, o que levou à desarticulação dos norte-americanos. Durante a retomada das Filipinas, um evento chama a atenção pelo seu impacto nas tropas envolvidas — tanto americanas quanto japonesas — o regaste dos prisioneiros em Cabanatuan. Uma operação taticamente bem montada e executada com maestria foi responsável por uma das mais eficientes operações do combate da história. Não só pelo seu êxito, mas principalmente pelo fato de que nem sempre sairá vencedor da batalha o lado que tiver o maior exército e o melhor equipamento, e sim aquele que estiver estrategicamente melhor montado.


O filme pode ser utilizado como um bom apoio didático para as aulas sobre as ocupações na Ásia Insular durante a Segunda Guerra, não deixando de ser um bom entretenimento para apreciadores ou não dos filmes de guerra.



Adriano Almeida




Operações Especiais

Ninguém melhor que os soldados para saber que uma guerra é vencida metro a metro, dia a dia, missão a missão, batalha a batalha. Reconhecendo isso, lançamos o novo tema dos próximos três filmes: operações especiais. É a guerra no microscópio. Uma análise do detalhe para compreender o todo. Escolhemos três filmes inspirados em fatos reais sobre missões de conflitos diferentes que exigiram dos combatentes estratégia, perseverança e, acima de tudo, coragem. Hoje, o primeiro filme do bloco Operações Especiais.


Comentem!

25 de out. de 2008

Tigerland – A Caminho da Guerra

Título original: Tigerland
Direção: Joel Schumacher
Elenco: Colin Farrell, Matthew Davis, Clifton Collins Jr., Shea Whigham, Nick Searcy
País: EUA
Ano: 2000
Duração: 100 minutos
Língua: Inglês
Nota IMDb: 7,1
Cores: Colorido
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Máquina de Fazer Soldados

Fort Polk, Louisiana, 1971. Os recrutas Roland Bozz (Colin Farrell) e Jim Paxton (Matthew Davis) vão para o treinamento nos últimos anos da Guerra do Vietnã (1959–1975), pelo menos para os EUA, que só participaram de 1965 a 1973. Os jovens* já estavam sendo treinados por veteranos** do Vietnã. A revolução sexual atingia seu ápice, e as drogas estavam em alta. A guerra não tinha mais apoio da opinião pública, especialmente por conta de fatos como o Massacre de My Lai***, mencionado por Paxton. Nesse contexto, o Exército era uma bolha de realidade diametralmente diferente do que ocorria ao seu redor. Bozz, que antes aparenta apenas não respeitar autoridades, mostra-se anti-Exército e tenta sabotar ideologicamente o sistema insubordinando-se a cada instante; enquanto Paxton é um voluntário que acredita no cumprimento do dever, embora concorde com o amigo quanto ao Exército não ser uma massa uniforme de homens e a guerra não ter sentido.

Tigerland tem intenções claras de expor falhas no discurso do Exército — como a idéia de que é “um só homem”, um corpo único e homogêneo — justamente mostrando os conflitos ideológicos que existem dentro dele. Schumacher, através das palavras e das atitudes de Bozz, tenta mostrar o Exército como uma grande mentira. Durante a trama, surgem situações em que os próprios superiores parecem reconhecer isso, o que pode ser observado sempre que Bozz se encontra a sós com eles: é como se ele forçasse a “verdade escondida” a vir à tona. Tigerland também tenta desmistificar a concepção de que o Exército transforma "meninos" em "homens", questionando os absurdos do treinamento. Há comentários na internet confirmando e negando os rigores, não se sabe se isso ocorreu de fato. No filme, os instrutores, com tom um tanto paternal, alegam que essa é a melhor forma possível de tentar preparar os jovens para o horror da guerra, enfocando o aspecto humano de todos os personagens. De relance, ainda surgem temas como o preconceito racial e o patriotismo.

No aspecto técnico, Tigerland tem uma cinematografia esmaecida, ligeiramente azul-esverdeada e obscura, com muitos closes. A trilha é discreta, mas toques dados por música soul ao bom estilo Motown aparecem aqui e ali. As atuações são muito boas, especialmente de Colin Farrell, no seu primeiro papel de destaque. Não espere combates, mas é um filme que, embora com tendências ideológicas evidentes, vale a pena por abordar a guerra no seu lugar de origem: o íntimo do ser humano.


Heber Costa

* No Vietnã, a média de idade dos soldados era de 22 anos; na Segunda Guerra, era 26 anos. [Fonte: Combat Area Casualty File – CACF (1993), que serviu de base para o Memorial de Veteranos do Vietnã.]

** Isso pode ser percebido no dialeto da infantaria usado pelos superiores, são expressões como grunt (soldado), gook (vietnamita), VC ou Charlie (vietcongue), dust-off (resgate de ferido em helicóptero) e beaucoup (muito, reminiscência dos colonizadores franceses incorporada pelo vietnamês).

*** Massacre, por tropas americanas, de mulheres e crianças ocorrido na aldeia vietnamita de My Lai, em 16 de março de 1968, que foi divulgado internacionalmente, causando revolta na população dos EUA e apressando sua saída da guerra.






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Um Lugar Chamado Inferno

No início dos anos 1970 a Guerra do Vietnã estava em um período em que os americanos enfrentavam várias derrotas e a opinião pública “caia em cima” do alto escalão do exército e criticava as ordens do governo norte-americano. Mas por que isso acontecia e por que o grande exército americano não conseguia por um ponto final nessa guerra, seria o treinamento dos soldados ou a soberba do alto comando?

Podemos dizer que não há como se treinar alguém para matar outra pessoa, mas era esse o tipo de treinamento utilizado durante a Guerra do Vietnã. O envolvimento psicológico naquele conflito passou a ser um fator decisivo para o desfecho das batalhas. Nos campos de treinamento norte-americanos, os soldados eram transformados em verdadeiras máquinas de matar, cujo único objetivo era: aniquilar o seu inimigo. Os “milicos” que não conseguiram se “enquadrar” nesse perfil, eram taxados de molengas ou, muitas vezes, de não-patriotas; contudo, essa guerra não era deles e não acontecia em seu país. Assim começam a surgir questionamentos comuns aos combatentes quando vão para as guerras. Alguns dizem ser a única opção que têm, porém a maioria se questiona exatamente no momento de seu treinamento tentando achar uma justificativa para explicar a sua presença diante daquilo tudo.

O filme Tigerland trata exatamente dessa preparação do soldado americano para a Guerra do Vietnã, explorando a vivência de um grupo de soldados, ele procura trazer à tona os questionamentos dos combatentes a respeito da sua presença em um campo de treinamento, conhecido como inferno, e a relação que os soldados têm uns com os outros — muitas vezes, de companheirismo; outras, de intensas disputas pela liderança do pelotão. Analisá-lo, historicamente, requer conhecimentos apurados sobre campos de treinamentos, contudo pode-se dizer que ele exemplifica da forma mais dura a preparação dos soldados para irem ao verdadeiro inferno.



Adriano Almeida




15 de out. de 2008

Santos ou Soldados


Título original: Saints and Soldiers
Direção: Ryan Little
Elenco: Corbin Allred, Alexander Polinsky, Peter Holden, Lawrence Bagby, Kirby Heyborne
País: EUA
Ano: 2003
Duração: 90 minutos
Língua: Inglês / Francês / Alemão
Nota IMDb: 7,0
Cores: Colorido
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Santos, Soldados e Sombras

Santos ou Soldados se passa num fato histórico trágico: o Massacre de Malmedy, Bélgica, ocorrido na campanha das Ardenas, no rigoroso inverno de dezembro de 1944. Quatro soldados — o cabo “Deacon”, o sargento Gunderson, o paramédico Gould e o soldado Kendrick — conseguem escapar das tropas da Waffen-SS*, tomando um rifle Mauser Kar98k (cuja capacidade é só cinco tiros), e adentrar a floresta nevada.

Logo surgem outros inimigos: não bastasse o frio, o medo e o fato de virem de diferentes partes do país (Nova York, Arizona, Louisiana e Illinois) e do exército (dois são da 101ª Aerotransportada; um, médico; e Kendrick, da infantaria), as crenças e personalidades acirram ainda mais diferenças. Oriundo do Brooklin, Gould provavelmente teve uma infância difícil, o que explica individualismo e ceticismo e o fato de roubar dos mortos. Ele se desentende com Deacon, um interiorano muito religioso que dá mostras de um forte estresse pós-traumático. Tudo se complica ainda mais quando o grupo encontra o sarcástico Winley, um sargento-aviador da Força Aérea Britânica que tem uma missão importantíssima. O longa aborda muito bem conflitos como sobrevivência x dever; desumanização x crença no ser humano; mesquinharia x generosidade; religiosidade x ceticismo; personificando essas crenças nos personagens. Os soldados, tendo de enfrentar os alemães e essa “guerra” particular, fortalecem seus laços e transformam a visão de mundo uns dos outros.

A produção não tem grandiosidades, mas é muito caprichada. Os atores, embora desconhecidos, são muito competentes. A fidelidade de detalhes e equipamentos corretos impressiona — a exemplo do coração no capacete do sargento, que representa o 2º Batalhão do 502º Regimento da 101ª, que realmente atuou nas Ardenas. A trilha sonora discreta e a fotografia ligeiramente descolorida e ágil são a moldura perfeita para transformar esse conjunto num ótimo filme.



Heber Costa





* Pela época e uniformes retratados no filme, as tropas de panzergrenadiers ali representadas provavelmente eram da 1ª divisão de Panzers da SS (Schultz Staffeln, isto é, “esquadrões de proteção") — apelidada Leibstandarte Adolf Hitler (Guarda-costas de Adolf Hitler) — e estariam sob o comando do SS-Standartenfürher (Coronel) Joachim Peiper, que comandava um Kampfgrouppe de tanques Panzers e Tigers.




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Roteiro da morte: Malmedy & Bastogne

Ao se aproximar o final do ano de 1944, a situação na Europa se encontrava bastante instável, e o controle de pontos estratégico era vital para o sucesso nas batalhas. Um dos momentos mais tensos desse período foi a disputa pelo controle da região das Ardenas (Malmedy, Saint Vith, Houffaliza e Bastogne), por conta de dois acontecimentos que marcaram a guerra: o Massacre de Malmedy e a Batalha de Bastogne.

Contando com um forte contingente de soldados e blindados, os alemães partem em direção a essa região por se tratar de um ponto de convergência estratégica. A intenção era tomar de assalto as quatro cidades e depois seguir em direção a Antuérpia, contudo nesse caminho ocorreu o encontro das tropas aliadas com o exército alemão — em Malmedy —, ali os soldados americanos se tornaram prisioneiros e num ato de extrema pusilanimidade foram quase todos executados. O filme Santos ou Soldados parte desse evento para explorar a convivência de um grupo de soldados que consegue escapar dessa chacina — em especial a de “Deacon”. Passando por questionamentos comuns aos soldados — num momento em que não estão travando batalhas —, ele se pergunta se está fazendo certo em matar os seus inimigos e às vezes até civis em troca de sua sobrevivência.

Vale destacar também a Batalha de Bastogne onde milhares de soldados perderiam a vida. O empenho tanto dos alemães em conquistar essa cidade quanto os aliados em defendê-la foi colossal, pois eles não lutavam somente entre si, mas também pra suportar o inverno e as fortes nevascas sem padecer diante de tal intempérie. Só foi possível dar um ritmo a batalha após o término das tempestades de neve, pois é nesse momento que as esquadrilhas aéreas entram em ação e ditam o compasso da vitória aliada. Santos ou Soldados pode ser considerado um bom entretenimento para os fãs de filmes de guerra e, como fonte histórica, pode servir de um bom apoio didático para observar a situação climática que os soldados enfrentavam, além de usar como pano de fundo o terrível episódio do Massacre de Malmedy.



Adriano Almeida




5 de out. de 2008

Sem Novidade no Front

Título original: All Quiet on The Western Front
Diretor: Lewis Milestone
Elenco: Lew Ayres, Louis Wolheim, Slim Summerville
País: EUA
Ano: 1930
Duração: 135 minutos
Língua: Inglês / Francês / Alemão

Nota IMDb: 8,1
Cores: Preto-e-branco

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Viver e morrer no front

O impacto psicológico que um soldado passa ao entrar numa guerra é sem dúvida uma das coisas mais importantes, principalmente porque pode mudar o rumo de toda a disputa. O filme Sem Novidade no Front tem o cuidado de mostrar o cotidiano do front, a vida dos soldados na Primeira Guerra Mundial, tentando evidenciar os vários sentimentos que os jovens combatentes sentiram durante o conflito, desde a euforia de estar participando da primeira batalha até as incertezas da vida nas trincheiras.

Algumas passagens são dignas de serem mencionadas não só pela sua importância como acontecimento na história, mas principalmente pelo fato de tentarem retratar a situação precária e subumana das trincheiras. Posso destacar três dentre os vários momentos importantes: o primeiro seria o alistamento, quando os jovens estão eufóricos após um discurso incentivador de seu professor. Isso mostra como os garotos eram educados nos primeiros anos da Guerra. Havia um grande incentivo para que participassem e demonstrassem o seu patriotismo. O segundo momento seria o impacto que a guerra causa nos homens — a primeira batalha —, quando a moral dos soldados é posta à prova, deixando visível o medo da morte iminente e as incertezas do futuro que os aguarda. No terceiro instante, destaca-se a reação do soldado ao voltar para casa e visitar a escola, encontrando ali um ambiente pouco acolhedor: ele não se sente membro daquele lugar e, ao ouvir o velho discurso de seu antigo mestre, que há alguns anos serviu de inspiração para que ele e seus amigos se empenhassem naquela jornada, fica incrédulo com tudo aquilo que os civis acreditavam estar acontecendo no front.

Fatos como esses nos levam a analisar, criteriosamente, o que é relatado sobre o dia-a-dia dos soldados na Primeira Guerra, pois muitas fontes não dão o valor necessário ao cotidiano do campo de batalha, e Sem Novidade no Front expressa, de forma bem peculiar, a árdua vida no front.



Adriano Almeida



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A vida nas trincheiras e a desilusão da guerra

Considerado um dos mais fortes manifestos pacifistas, Sem Novidade no Front mostra, desde as primeiras cenas, os sentimentos que dominavam a mente da população na época: o patriotismo, a honra, o orgulho e o senso de dever. A disparidade entre essa idealização da guerra e a realidade é sem dúvida o tema mais forte do filme, que mostra a inutilidade dos ataques e o quanto os soldados padeciam de fome, frio e terror sob os bombardeios — ou, como diz o protagonista, “... o quanto morrer pela pátria é sujo e doloroso”. Enquanto os professores incitam jovens à guerra, no front os soldados descobrem que, sem a farda, seus inimigos são iguais a eles: querem apenas sobreviver mais um dia. A morte choca não pela violência, mas pela sua banalidade e freqüência. Isso fica explícito na ironia do par de botas que passa de pés em pés, durando mais do que os próprios soldados que o utilizam.

O roteiro adaptado altera a ordem de alguns fatos do texto original, o que deixa a trama um tanto truncada. Por outro lado, dados os recursos da época (1930), Lewis Milestone é um poço de criatividade quando se trata de fotografia e efeitos especiais. O uso de uma câmera não-estática passando por trás das metralhadoras alemãs e francesas nas cenas em que os soldados são dizimados e acompanhando os soldados nos ataques e contra-ataques traz um dinamismo impressionante às seqüências. Essa habilidade de filmar, somada aos efeitos, constrói imagens de causar inveja a muitos filmes de guerra recentes.




Como nem tudo é perfeito, cabe ressaltar como pontos negativos que algumas atuações são um pouco exageradas (o que era natural na época) e também o fato de ser uma obra sobre soldados alemães, mas ser majoritariamente falada em inglês, já que é produção americana. A despeito disso, o resultado é um longa poderoso e extremamente inovador, que se tornou um marco, sendo proibido em vários países. No fim, uma mensagem fica clara: a guerra é uma grande ilusão.



Heber Costa


Conflito psicológico

Neste bloco, abordaremos a luta pela sobrevivência e os conflitos psicológicos enfrentados pelos soldados antes, durante e depois da guerra. Boa leitura!



1 de out. de 2008

Apresentação

Depois de semanas discutindo e planejando, iniciamos hoje, oficialmente, os trabalhos do Cenas da Guerra, um blog que pretende oferecer ao leitor uma opinião de filmes sobre a guerra, acreditando que cada um deles é uma forma particular de abordar a vastidão de temas que ela envolve.

Por conta da formação dos autores — embora o blog não tenha foco acadêmico —, os comentários (trazendo sempre dois pontos de vista sobre o mesmo filme) poderão tender para a História e a Estética, mas sem a pretensão de estabelecer “verdades históricas” ou julgamentos de valor estético universais e sem o compromisso de ficarmos apenas nesses campos. O que se busca é apresentar uma opinião que traga a dose certa entre a crítica subjetiva e objetiva. Além dos comentários, para aqueles que gostam de classificações em termos de nota, ao lado da ficha cinematográfica estará o índice registrado pelo Internet Movie Database (IMDb), fruto da média das notas dadas pelos seus milhares de usuários.

A princípio, a abordagem será em blocos de três filmes que tenham uma temática semelhante, sendo um a cada dez dias. Ressaltamos, no entanto, que esses os títulos escolhidos não serão necessariamente os que consideramos melhores nem os únicos sobre aquele tema e que os assuntos poderão se repetir em novos blocos de filmes. Ao mesmo tempo, indicaremos também ao menos um livro relacionado ao tópico em questão para cada bloco e marcaremos cada filme com etiquetas indicando as temáticas predominantes nele (holocausto, nazismo, combate marítimo, etc.) para que depois seja possível agrupá-los.

Por ser, na verdade, um experimento, o Cenas da Guerra tentará seguir essa metodologia até quando ela se mostrar apropriada, já que nosso compromisso maior é com a melhor forma de apresentar o conteúdo. Assim, mudaremos de rumo se for necessário. Por isso, comentários, sugestões e indicações serão sempre bem-vindos.

No próximo dia 5 de outubro, lançaremos uma postagem com o primeiro filme do primeiro bloco.

Até lá e boa leitura a todos!